P. Jefferson Bartipaia, L.C.
Me chamastes para caminhar na vida contigo!
Tudo começou quando escutando a letra que dizia assim “um certo dia, a beira mar, apareceu um jovem galileu, ninguém podia imaginar que alguém pudesse amar do jeito que ele amava…” Somente lembro que comecei a conversar com Jesus sobre a letra dessa música e meu coração se enchia de desejos em responder a esse chamado, parecia que minha historia entraria em algum momento na recitação do famoso canto.
OS PRIMEIROS VERSOS
O chamado de Deus sempre é muito pessoal e íntimo. Somente o sujeito conhece como foi esse momento ou momentos onde a voz do Amado começou a soar no seu coração. Por isso, como toda experiência profunda, fica difícil expressar em algumas linhas.
Posso dizer com toda confiança que cresci numa família privilegiada. A herança da fé vem dos bisavôs italianos que vi refletido na religiosidade das minhas avós. Por um mistério de Deus, essa fé ficou impressa de forma mais contundente justo nos meus pais, apesar de todos meus mais de 20 tios receberem o mesmo incentivo religioso. Assim que junto aos meus irmãos, fomos nutridos de uma fé vivenciada nos meus pais. Deleito-me nas lembranças do grupo de jovens que meus pais dirigiam, grupo no qual aprendi as primeiras músicas religiosas e carismáticas. Aqui nasceu em mim o desejo de aprender a tocar algum instrumento.
Outra lembrança agradável impressa na memória que foi fraguando o chamado é aquelas tardes quando eu e a minha irmã Jessica voltando da escolinha e ao descer da perua começava a escutar desde o portão o disco do Pe. Zezinho, pioneiro entre os sacerdotes músicos no Brasil, tal som era relacionado com a preparação do jantar, pois com esse fundo sonoro a mãe colocava a mesa. Foi numa dessas tardes, com apenas 6 anos de idade, depois de escuta a canção Um Jovem Galileu, que por primeira vez pensei: “vou aprender a tocar violão e serei um padre como o Pe. Zezinho”.
SEGUINTE VERSO
Ainda na infância houve uma grande mudança que marcou meus planos. Nossa família saiu da vila da família e fomos morar do outro lado da cidade. Nesse novo lar vivi os acontecimentos que marcaram minha personalidade. Em primeiro lugar porque fiz grandes laços de amizade. Fazíamos tudo juntos, desde ser coroinhas até um time de futebol na infância, na adolescência fomos desde a base do grupo de jovens até banda de rock. Desse período só tenho que agradecer aos amigos e catequistas. Pois foram fundamentais para a perseverança na fé.
Ainda no período da catequese comecei discretamente a ser um coroinha a mais do numeroso grupo que os padres salesianos. Mas aos poucos meses me sentia interpelado a atuar não somente nos domingos, mas também nos sábados e alguma missa da semana. Essa empolgação se rompeu quando os religiosos tiveram que deixar a paroquia. Gostava muito dos padres, mas não parei para pensar na possibilidade de seguir a vida regular.
Aos 10 anos ganhei um violão. Aprendi primeiro a tocar nas missas, logo fui conhecendo o Legião Urbana e meus interesses musicais se orientaram para essa direção. Aquela ideia de criança de imitar o Pe. Zezinho se transformou no projeto de ser um novo Dado Villa Lobos.
Aos 15 anos, já não pensava naquela conversa com Jesus de quando era criança. Estava na idade de sair e buscar meninas, tocar guitarra e jogar futebol. A fé passou a ser vivida de forma externa, como compromisso, mas sem vida. Tocava nas missas e no grupo de adolescentes. Parecia que com isso estava dando a Deus seu lugar na minha vida. Era um rapaz bom no fim das contas. As coisas começaram a mudar quando na metade do ensino médio apareceu na minha casa dois irmãos Legionários de Cristo. Como sempre, causaram muita impressão o aspecto formal daqueles jovens religiosos. Vinham com um amigo que decidiu fazer um retiro de discernimento vocacional e este amigo decidiu me convidar para o retiro. Acabei aceitando para agradar ao amigo e dar uma ajuda nesse caminho vocacional dele.
REFRÃO
Por primeira vez me guardei do silêncio externo e percebi que existia a possibilidade de calar os ruídos interiores também. Esse retiro foi um balde de água fria. Fiz um tremendo exâme de consciência e perguntei pra Jesus: “me diz o que quer de mim”? Não devia ter lançado essa pergunta! Voltei pra casa diferente. Estava saindo com uma amiga e ela me disse que alguma coisa tinha acontecido, mas eu não quis dizer a ela o que realmente estava acontecendo.
Nos meses seguintes fui de missões com Juventude Missionaria e fiz outros dois retiros. Chegado no fim do ano os irmãos legionários chegaram em casa com o convite para o Candidatado. Mas eu não estava preparado, disse que não queria. Para surpresa minha e dos meus pais, meu irmão perguntou se que ele podia ir no meu lugar. Começado o ano seguinte o Matheus começava seu percurso na Apostólica de Arujá.
Todo esse ano foi uma tremenda cobrança interna que me fazia a mim mesmo. Sentia que devia ter respondido sim. Nesse então estava aderido ao Regnum Chisti, indo a Missões, retiros e encontros. Aquele meu amigo que me convidou ao primeiro retiro voltou do seminário depois de um período de experiência e isso me fazia pensar que se eu desse meu sim, ia terminar voltando como ele.
Estava terminado o último ano antes da universidade. Não tinha muito claro o que queria. No trabalho era respeitado e chamado de padre. A menina com quem estava me dizia que eu voltava de Arujá com os olhos brilhantes e devia estar no lugar do meu irmão. Fui então de Missões. Durante a adoração enquanto rezava e escutava a música que tantas vezes havia tocado, por primeira vez a letra me interpelou: “Me chamaste para caminhar na vida Contigo. Decidi para sempre seguinte, não voltar atrás. Me puseste uma brasa no peito…”. No dia seguinte durante uma visita a senhora da casa me dizia que eu deveria ser padre pois tinha ajudado muito ela. Chegando fui direto falar com meu diretor espiritual, ainda faltava generosidade então disse que sentia que Deus me chamava a dar um ano de colaborador. Ele me respondeu para ser honesto com Deus e que em janeiro começava o curso introdutório para o noviciado.
GRAN FINALE
Assim que depois de grandes provações, pois é só você falar sim que as tentações parecem transformar-se em possibilidades reais, eu começava esse caminho com a certeza de um chamado, mas também com a consciência da minha pouca generosidade.
Depois de mais de dezesseis anos vestindo esse uniforme, passados tantos momentos de luzes e sombras, chega finalmente o dia do grande concerto. Aqui não tocarei mas serei o instrumento para que a mão de Deus faça algum acorde apesar de ser de segunda mão. Espero nunca sair do tono da graça de Deus e que Ele me leve sempre a cantar na dificuldade: “Eu pensei muitas vezes calar e não dar nem resposta. Eu pensei na fuga esconder-me, ir longe de ti. Mas tua força venceu e eu fiquei seduzido. É difícil agora viver sem saudades de ti!”